Panorama Atual das Investigações Internas na América Latina

Por Wilson de Faria e Hítalo Silva

Publicado originalmente em espanhol em: https://lec.com.br/panorama-actual-de-las-investigaciones-internas-en-america-latina/

As investigações internas em empresas são um processo fundamental para manter a integridade e a reputação da organização. Essas investigações são realizadas para descobrir e prevenir possíveis violações de políticas, regras e regulamentações internas e externas, além de identificar a origem de práticas ilegais. A importância dessas investigações está cada vez mais evidente em muitos países da América Latina, onde a corrupção e outras práticas ilegais são frequentemente denunciadas. No Brasil, Colômbia, Perú, Argentina, México e Chile, as investigações internas têm se mostrado uma atividade cada vez mais relevante para a manutenção da integridade empresarial.

Brasil

No Brasil, por exemplo, a Operação Lava Jato, uma investigação de corrupção de alto nível ocorrida entre 2015 e 2019, abalou o país e resultou em mudanças significativas em sua cultura empresarial. A operação descobriu uma vasta rede de corrupção envolvendo empresas estatais e contratantes privados, levando a investigações internas em dezenas de empresas para descobrir a extensão do problema e evitar futuras violações. Essa Operação foi iniciada pelo Ministério Público Federal do Brasil e gerou investigações internas de grande magnitude focadas na corrupção em empresas como Petrobras, Eletrobrás e Odebrecht. As consequências das investigações internas e dos Acordos de Leniência e Monitoramento que se seguiram foram um ponto de inflexão na cultura de Compliance no país e geraram repercussões em toda a América Latina.

No Brasil, a Lei Anticorrupção (2013), o Decreto Presidencial sobre a Lei Anticorrupção (2015-2022) e outras legislações como a Lei de Lavagem de Dinheiro, a Lei de Combate a Cartéis e a Lei de Concorrência estabelecem a necessidade de as empresas implementarem programas de Compliance e investigação interna. A Controladoria-Geral da União e o Ministério Público Federal incentivaram a implementação desses programas e, em muitos casos, celebraram acordos de leniência com empresas que colaboraram com as investigações e apresentaram os resultados das investigações internas que foram validados pelas autoridades. A evolução na cultura de Compliance levou à legislação de licitações públicas exigindo a implementação de programas de Compliance para participação em licitações, o que tem disseminado bastante o Compliance em empresas de menor porte no país.

Outro caso de grande repercussão no Brasil que está ocorrendo atualmente e não é um caso clássico de corrupção é o caso das Lojas Americanas, um gigante varejista brasileiro, que revelou inconsistências contábeis em seus números, informando um déficit financeiro de R$20 bilhões de reais brasileiros. O caso possui várias frentes de investigação, tanto em um comitê de investigação interno independente, quanto em investigações realizadas pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e também em frentes judiciais de produção antecipada de provas, promovidas pelos principais bancos credores do varejista.

Argentina

Na Argentina, a investigação de corrupção conhecida como “Lava Jato argentina” foi iniciada após a revelação de uma rede de subornos envolvendo ex-funcionários do governo e empresas de construção. Essa investigação gerou uma grande quantidade de investigações internas em empresas por todo o país para prevenir práticas ilegais e manter a integridade corporativa. No entanto, nos anos anteriores, houve casos importantes de investigações na Argentina que chamaram a atenção pública. Um exemplo é o caso dos “Cuadernos de las Coimas” (Cadernos dos Subornos), uma investigação iniciada em 2018, que revelou uma trama de corrupção relacionada ao setor da construção na Argentina. Um sistema de subornos e corrupção foi descoberto, no qual os pagamentos ilegais a funcionários do governo e empresários eram meticulosamente registrados em cadernos.

Existem várias áreas nas quais a Argentina pode buscar melhorias, aqui estão algumas considerações importantes:

1.         Fortalecimento das instituições: É fundamental fortalecer as instituições responsáveis pela investigação e combate à corrupção, como o Ministério Público, o Judiciário e as agências de aplicação da lei. Isso inclui garantir sua independência, capacidade técnica e recursos adequados para desempenhar suas funções de maneira eficaz.

2.         Transparência e acesso à informação: Promover a transparência e facilitar o acesso à informação são elementos cruciais para prevenir e combater a corrupção. É importante promover leis sólidas de acesso à informação e garantir a divulgação proativa de dados relevantes, como informações sobre contratos governamentais e financiamento político.

3.         Proteção a denunciantes e testemunhas: É necessário estabelecer mecanismos eficazes para proteger denunciantes e testemunhas, incentivando a colaboração e a apresentação de provas. Isso envolve a implementação de legislação adequada e a criação de programas de proteção que garantam a segurança e a confidencialidade daqueles que estão dispostos a cooperar.

4.         Cooperação internacional: A corrupção muitas vezes transcende as fronteiras nacionais, portanto, a cooperação internacional é essencial. A Argentina pode fortalecer seus laços de cooperação com outros países, promovendo a troca de informações, o compartilhamento de boas práticas e a assistência mútua em investigações transnacionais.

5.      Conscientização e educação: Investir em programas de conscientização e educação é crucial para promover uma cultura de integridade e combater a corrupção desde a base. Isso pode incluir a implementação de programas de educação cívica, treinamento anticorrupção para funcionários públicos e campanhas de conscientização pública sobre os impactos negativos da corrupção.

É importante destacar que esses temas são complexos e requerem esforços contínuos, ações concretas e a participação de diversos setores da sociedade argentina para alcançar resultados significativos.

Chile

No Chile, a investigação interna é comum em empresas de grande porte e o país possui leis avançadas em relação à proteção de denunciantes. Ainda é necessário conscientizar empresas de menor porte e melhorar as investigações internas em setores como o público e o financeiro. Alguns dos casos mais destacados são os seguintes:

1.         Caso Penta: A empresa Penta Inversiones enfrentou uma investigação interna em 2014 que descobriu práticas ilegais de financiamento político e evasão de impostos, e envolveu políticos e empresários de alto perfil. A empresa foi multada em US$ 83 milhões e vários de seus funcionários foram condenados por lavagem de dinheiro e outros crimes.

2.         Caso SQM: O Caso SQM (Soquimich) começou em 2014, quando surgiram as primeiras acusações de financiamento irregular de campanhas políticas. A investigação concentrou-se na empresa de mineração não metálica SQM e seu suposto financiamento ilegal a políticos e partidos políticos. À medida que a investigação avançava, evidências de pagamentos irregulares foram descobertas e vários atores políticos e empresariais se envolveram. O caso teve um grande impacto na esfera política chilena e na opinião pública. É importante destacar que o Caso SQM teve várias fases e desenvolvimentos desde o seu início em 2014. Os processos judiciais e as investigações ainda estão em andamento e envolvem políticos de diversos partidos, gerando amplas repercussões na esfera política chilena.

3.         Caso Caval: O caso refere-se a um escândalo que se tornou público em 2015 e envolveu a empresa Caval Limitada e a nora da ex-presidente Michelle Bachelet, Natalia Compagnon. O caso centrou-se em supostas irregularidades em negócios imobiliários e tráfico de influência. No caso Caval, foram investigadas supostas irregularidades na aquisição de terrenos na região de O’Higgins e a posterior mudança de uso do solo para obter lucros significativos. Além disso, questionou-se a influência que a nora da ex-presidente Bachelet teria exercido para obter benefícios e favores relacionados a esses negócios. O caso teve um grande impacto na opinião pública chilena e causou uma queda na popularidade da ex-presidente Bachelet. A investigação foi conduzida pelo Ministério Público, com diversos interrogatórios e perícias realizados para esclarecer os fatos.

4.         Caso Corpesca: O caso refere-se a uma investigação sobre alegadas irregularidades no financiamento político e corrupção relacionadas à empresa pesqueira Corpesca. A investigação teve início em 2014 e envolveu políticos e empresários do setor pesqueiro. No caso Corpesca, há uma investigação sobre o suposto financiamento ilegal de campanhas políticas pela empresa pesqueira, bem como possíveis atos de corrupção envolvendo legisladores e funcionários públicos. As conexões entre a Corpesca e políticos que possivelmente influenciaram a legislação pesqueira a favor da empresa foram examinadas. Esse caso tem gerado um importante debate sobre a influência do setor empresarial na política e nas regulamentações pesqueiras no Chile. A investigação tem sido conduzida pelo Ministério Público, e várias diligências e declarações foram feitas para esclarecer os fatos.

México

No México, a investigação interna está se tornando cada vez mais comum em grandes corporações, e o país possui legislação específica para proteger denunciantes. A empresa estatal mexicana Petróleos Mexicanos (Pemex) enfrentou uma série de investigações internas em 2018, revelando práticas ilegais relacionadas a subornos e corrupção. A empresa implementou uma série de medidas para prevenir violações futuras, incluindo uma revisão completa de seus processos de contratação e a implementação de um programa de conformidade. Esse caso, em uma das maiores empresas do país, foi emblemático, mas ainda é necessário melhorar a cultura ética nas empresas e aprofundar as investigações internas em organizações de menor porte. No entanto, várias investigações e ações foram realizadas para combater fraude, corrupção e lavagem de dinheiro no México, e alguns casos e medidas destacados incluem:

1.      Unidade de Inteligência Financeira (UIF): A UIF no México é a autoridade responsável por combater a lavagem de dinheiro e o financiamento ao terrorismo. Ela adotou medidas para fortalecer a supervisão e a análise de transações financeiras suspeitas, bem como para melhorar a cooperação com outras jurisdições no combate à lavagem de dinheiro.

2.         Fiscalía Especializada en Combate a la Corrupción y Crimes Cometidos por Servidores Públicos: Essa procuradoria é responsável por investigar e processar crimes de corrupção no México. Ela conduziu investigações e ações penais contra funcionários públicos e atores privados envolvidos em atos de corrupção.

3.      Reformas legais: O México implementou reformas legais para fortalecer seu arcabouço jurídico e melhorar a luta contra fraudes e corrupção. Essas reformas incluem a criação do Sistema Nacional Anticorrupção e da Lei de Extinção de Domínio, entre outras.

No entanto, é importante ressaltar que o combate à fraude, corrupção e lavagem de dinheiro no México continua sendo um desafio. A impunidade, a falta de recursos adequados e a necessidade de fortalecer a cooperação entre instituições e níveis de governo são desafios persistentes.

Peru

No Peru, a empresa de construção brasileira Odebrecht enfrentou uma investigação de corrupção em larga escala que levou a uma série de investigações internas em empresas por todo o país, após um meticuloso trabalho de cooperação internacional entre as autoridades brasileiras e peruanas no caso Lava Jato. O caso resultou na condenação de vários ex-presidentes e em uma mudança significativa na cultura empresarial peruana.

No Peru, diversas investigações e ações têm sido realizadas para combater a fraude, a corrupção e a lavagem de dinheiro. Alguns casos e medidas destacados incluem:

1.      Caso Orellana: Este caso envolve Rodolfo Orellana, um advogado e empresário peruano acusado de liderar uma rede de corrupção e lavagem de dinheiro. A investigação concentra-se em atividades ilícitas como extorsão, tráfico de influência e branqueamento de capitais.

2.         Caso Cócteles: Este caso refere-se a uma investigação sobre o suposto financiamento ilegal de campanhas políticas no Peru. Estão sendo investigadas as contribuições de empresas e pessoas físicas para partidos políticos e candidatos sem serem devidamente declaradas.

3.         Caso Los Cuellos Blancos del Puerto: Esta investigação foca em uma suposta rede de corrupção no sistema judicial peruano. Juízes, promotores e advogados são acusados de formar uma organização criminosa que influenciava o sistema de justiça para obter benefícios ilícitos.

4.         Caso Club de la Construcción: Este caso envolve várias empresas de construção no Peru que teriam participado de práticas de colusão e subornos para obter contratos públicos. Investiga-se a existência de um cartel na indústria da construção que afetou a concorrência e causou prejuízos econômicos ao Estado.

5.         Fiscalía Especializada en Delitos de Corrupción de Funcionarios: Esta procuradoria é responsável por investigar e processar crimes de corrupção no Peru. Ela conduziu investigações e processos contra funcionários públicos e atores privados envolvidos em atos de corrupção.

6.         Unidade de Inteligencia Financiera (UIF): A UIF no Peru é a entidade responsável por combater a lavagem de dinheiro e o financiamento do terrorismo. Ela fortaleceu a supervisão de transações financeiras suspeitas e colaborou com outros países na luta contra a lavagem de dinheiro.

7.         Comisión de Alto Nivel para la Reforma Política: Esta comissão tem trabalhado na proposição e promoção de reformas para fortalecer o sistema político e combater a corrupção no Peru. Seus esforços incluem iniciativas para melhorar a transparência, a prestação de contas e a participação cidadã.

É importante destacar que a luta contra a fraude, a corrupção e a lavagem de dinheiro no Peru continua sendo um desafio, e ainda existem desafios significativos em termos de impunidade e estruturas arraigadas. No entanto, o país tem feito esforços importantes para enfrentar esses problemas e fortalecer seus mecanismos de investigação e persecução.

Colômbia

O desenvolvimento das investigações internas na Colômbia tem sido um assunto importante nos últimos anos. Na Colômbia, várias investigações e ações têm sido realizadas para combater a fraude, a corrupção e a lavagem de dinheiro. Alguns casos e medidas destacados incluem:

1.      Caso Odebrecht: O caso Odebrecht, originário do Brasil, também teve repercussões na Colômbia. Foram investigados supostos atos de corrupção relacionados à empresa brasileira Odebrecht e seus contratos com o governo colombiano. Foram conduzidos investigações e processos contra funcionários públicos e empresários envolvidos nesses supostos atos de corrupção.

2.         Fiscalía General de la Nación: A Procuradoria-Geral da Nação na Colômbia é a entidade responsável por investigar e processar crimes, incluindo fraude, corrupção e lavagem de dinheiro. Ela conduziu investigações e processos em casos de corrupção de alto perfil, como o caso Odebrecht e outros casos envolvendo funcionários públicos e atores privados.

3.         Unidad de Información y Análisis Financiero (UIAF): A UIAF na Colômbia é a entidade responsável por prevenir e combater a lavagem de dinheiro e o financiamento do terrorismo. Ela trabalha na detecção de transações financeiras suspeitas e na análise de informações para identificar atividades ilícitas.

4.         Comisión Nacional de Moralización: Esta comissão tem como objetivo investigar e prevenir atos de corrupção na Colômbia. Ela promoveu medidas para fortalecer a ética e a transparência no setor público, bem como a prestação de contas dos funcionários.

É importante destacar que a luta contra a fraude, a corrupção e a lavagem de dinheiro na Colômbia continua sendo um desafio, e ainda existem desafios significativos em termos de impunidade e estruturas arraigadas. No entanto, o país tem realizado esforços importantes para enfrentar esses problemas e fortalecer seus mecanismos de investigação e persecução.

É importante ter em mente que o trabalho de combate à corrupção e lavagem de dinheiro na Colômbia ainda é um desafio, e existem desafios em termos de impunidade e estruturas arraigadas. No entanto, o país tem feito esforços significativos para enfrentar esses problemas e fortalecer seus mecanismos de investigação e persecução.

Esses casos demonstram a importância das investigações internas nas empresas para prevenir práticas ilegais e manter a integridade corporativa. Embora as leis e regulamentações variem de país para país na América Latina, houve uma evolução consistente desde meados da última década na implementação da cultura de conformidade, na qual a investigação interna é uma ferramenta essencial.

Wilson De Faria, advogado brasileiro especializado em investigações nacionais e internacionais, liderando as maiores investigações internas privadas no Brasil desde 2015 nas áreas anticorrupção, ambiental e comportamental. Ele é professor e palestrante internacional em conformidade regulatória e investigação interna. Possui graduações em Direito (USP) e Administração de Empresas (FGV), além de especialização em Direito (CEU), MBA (INSEAD) e um Programa de Propriedade e Gestão de Empresas (OPM) pela Harvard Business School. É sócio sênior da WFaria Advogados em São Paulo, Brasil.

Hítalo Silva, advogado, professor e palestrante internacional em conformidade regulatória e investigação interna, com mestrado em Direito Americano (UMKC Law), mestrado em Fashion Law (Mackenzie) e especialização em sistemas jurídicos contemporâneos (Complutense de Madrid). Ele é sócio da WFaria Advogados em São Paulo, Brasil.

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VICTOR CORRADI

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Graduado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (“PUC-SP”), Corradi possui MBA em Gestão Tributária pela FIPECAFI e Pós-Graduação em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET.

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HÍTALO SILVA

Sócio

Mestre em Direito Norte-Americano (LL.M.) com ênfase em International Business
Transactions pela University of Missouri-Kansas City (UMKC) School of Law, Hítalo também é Mestre em Fashion Law pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e especialista em sistemas jurídicos contemporâneos pela Universidad Complutense de Madrid – UCM.


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