Retrocesso ao direito de defesa do contribuinte

Uma fatia relevante dos pagadores de impostos no Brasil acaba de ter revogado, por uma canetada, o seu direito constitucional de recorrer administrativamente no âmbito do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (“CARF”). Até agora, pouco barulho se fez contra isso. Cercada por estratégia de relações públicas, a arbitrariedade foi empacotada como medida de racionalização administrativa em benefício do contribuinte. O “pacote” da vez do CARF é meio para agilizar arrecadação supostamente devida e que vai, de fato, multiplicar a quantidade de processos judiciais contra a fazenda pública.

Com a publicação da Portaria nº 340 no Diário Oficial, a partir de 3 de novembro, os processos administrativos nos quais os contribuintes discutam autuações fiscais cujo valor envolvido seja de até 60 salários mínimos não serão mais julgados pelo CARF. Referida Portaria prevê que competirá às Delegacias Regionais de Julgamento a apreciação dos recursos interpostos contra as decisões de Primeira Instância Administrativa, quando se tratar do denominado contencioso administrativo fiscal de pequeno valor – ou seja, aqueles cujo lançamento não supera a quantia de 60 salários-mínimos.

Em suma, com essa alteração do processo administrativo fiscal, serão criadas Câmaras Recursais com membros das próprias Delegacias Regionais de Julgamento, que passarão a substituir as denominadas Turmas Extraordinárias do CARF – responsáveis atuais pelo julgamento dos recursos interpostos em processos administrativos que envolvem valores menos significativos.

É fácil notar que a mudança no procedimento trará vantagens apenas para a máquina estatal, tendo em vista que, com a desoneração do CARF em virtude da redução do número de casos, certamente haverá aumento na celeridade dos julgamentos de uma forma geral, e a consequente agilização na cobrança executiva com o término mais acelerado dos julgamentos administrativos.

Por outro lado, há consideráveis desvantagens para os contribuintes. Como principal ponto negativo tem-se a clara mitigação do exercício do contraditório e da ampla defesa, eis que não há previsão para a apresentação de sustentação oral nessas Câmaras Recursais; instrumento este extremamente útil na esfera administrativa, considerando que boa parte das discussões envolve questões fáticas, que demandam esclarecimentos pontuais aos julgadores.

Ademais, não há mais previsão para a interposição de recurso especial para saneamento de eventuais divergências, o que também reduz o exercício do direito de defesa dos contribuintes. Apesar de a Portaria prever que as Câmaras Recursais deverão respeitar a previsão das Súmulas do CARF, há de se ressaltar que elas são poucas, motivo pelo qual a supressão do recurso especial certamente gerará tratamento distinto aos contribuintes.

Outro ponto sensível acerca das Câmaras Recursais é a quebra de paridade diante da ausência de representantes dos contribuintes nas Delegacias Regionais de Julgamento. Esse deve ser o ponto chave de qualquer análise crítica a essa mudança de procedimento no processo administrativo fiscal. Não é difícil perceber que as Delegacias Regionais de Julgamento proferem decisões em sua grande parte desfavoráveis aos contribuintes – justamente por isso gera tantas revisões de julgados administrativos pelo CARF e pelo Judiciário. Com a mudança do procedimento, essa “parcialidade” das DRJ’s será mantida no grau recursal, sem que o julgamento possa contar com a visão de conselheiros representantes dos contribuintes, que naturalmente promovem um senso de justiça mais atrelado à experiência tributária dos próprios contribuintes.

Sobre esse ponto, apesar de o novo procedimento desonerar o CARF, certamente haverá um aumento no número de processos fiscais que serão submetidos à análise do Poder Judiciário – em sua grande maioria, direcionados aos Juizados Especiais Federais por conta do valor envolvido.

O que piora ainda mais o cenário é que essa mudança afeta justamente os contribuintes que têm menos condições financeiras – que claramente são hipossuficientes perante o Fisco – e que, portanto, terão dificuldades para exercer o direito ao contraditório e à ampla defesa na via judicial, diante da necessidade de garantia do Juízo.
Em suma, trata-se de mudança que gerará claro retrocesso ao direito de defesa garantido constitucionalmente aos contribuintes, motivo pelo qual se espera que a questão seja em breve submetida ao crivo do Judiciário para análise da sua constitucionalidade.

*Rubens de Souza e Emily Costa, coordenador e integrante da área de contencioso tributário do WFaria Advogados

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