Se a lei impõe o razoável prazo de 360 dias para análise do Fisco, após esse prazo, quem está em mora é o Fisco, e não o contribuinte
Se existe um prazo que não é cumprido pelo governo federal, esse prazo é o de 360 dias do artigo 24 da Lei nº 11.457/2007 para que o Fisco tome alguma decisão acerca de uma petição, uma defesa ou um recurso do contribuinte. É muito comum que discussões tributárias demorem uma eternidade nas Delegacias de Julgamento (DRJs) da Receita Federal e no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), em períodos muito superiores a um ano.
Os motivos sustentados pelo Fisco para não se cumprir esses prazos geralmente seguem a linha do elevado volume de processos para se julgar, e do escasso quadro de servidores e julgadores. De toda forma, tais motivos não são suficientes para se tornar letra morta o prazo previsto em lei.
Se a lei impõe o razoável prazo de 360 dias, após esse prazo quem está em mora é o Fisco, e não o contribuinte
Ainda que seja árdua a tarefa de buscar eficiência nos julgamentos administrativos a ponto de tal prazo ser respeitado, fato é que os contribuintes não podem ser penalizados com a manutenção do status de mora após passado o prazo de 360 dias; ou com a não atualização de seus créditos pleiteados e não reconhecidos dentro desse prazo.
Esse raciocínio vem sendo há muito tempo sustentado pelos contribuintes para gerar dois efeitos: ser estancado o cômputo da Selic na atualização dos débitos após 360 dias sem decisão administrativa sobre as defesas e recursos; e para que os créditos de pedidos de restituição não sujeitos à atualização pela Selic passem a ser atualizados após o prazo legal.
A lógica é simples: se a lei impõe o razoável prazo de 360 dias para análise do Fisco, após esse prazo quem está em mora é o Fisco, e não o contribuinte.
É bem verdade que esses argumentos, embora lógicos e jurídicos, não tinham muito respaldo da jurisprudência de forma favorável aos contribuintes, especialmente no caso das defesas e recursos contra débitos tributários. Mas isso começou a mudar recentemente. A primeira novidade está relacionada à atualização dos créditos escriturais tributários em pedidos de restituição após 360 dias sem análise pelo Fisco. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgou o Tema nº 1.003, em 12 de fevereiro de 2020, para resguardar a atualização pela Selic do crédito de não cumulatividade de PIS/Cofins de contribuinte, cujo pleito não foi analisado dentro do prazo. Reconheceram os ministros que, ainda que a legislação não
preveja o cômputo dos juros sobre os créditos em questão, a mora do Fisco no julgamento não deve prejudicar o contribuinte, que terá o crédito corroído no tempo enquanto restar pendente o julgamento do pedido. Os ministros resguardaram, então, a atualização do crédito pela Selic após passados os 360 dias sem julgamento.
A segunda veio do julgamento do RE nº 1.063.187 (Tema 962) pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em que se firmou ser inconstitucional a incidência de IRPJ e CSLL sobre a Selic de indébitos tributários. Naquele julgamento, o STF adotou como premissa para se reconhecer a inconstitucionalidade da cobrança o fato de que a Selic tem natureza indenizatória, e, por assim ser, não representa renda ou lucro das empresas.
Essa novidade favorece muito a tese dos contribuintes para se estancar a Selic após 360 dias sem julgamento das defesas e recursos administrativos contra débitos tributários. Ora, se a Selic tem natureza indenizatória, por qual motivo o contribuinte deve indenizar o Fisco pelo não pagamento do tributo, se quem está em atraso no devido processo legal administrativo é o próprio Fisco?
Pelo princípio da causalidade, quem está dando causa ao atraso na resolução do contencioso é o Fisco, ao não julgar a defesa ou recurso do contribuinte, de modo que não faz sentido algum se sustentar a Selic após passados esses 360 dias sem julgamento, seja nos atrasos das DRJs, seja nos atrasos do Carf.
Pois bem. Reconhecida a natureza indenizatória da Selic pelo STF, e decretada, pelo STJ, a mora da União Federal após os 360 dias sem apreciação dos pedidos de restituição administrativos de créditos escriturários, espera-se uma guinada na jurisprudência em favor dos contribuintes, especialmente nas pretensões de se estancar a Selic após os 360 dias sem julgamentos administrativos de defesas e recursos contra a cobrança de débitos tributários.
Seria de se cogitar, inclusive, rediscutir saldos de parcelamentos firmados para quitar débitos que tiveram esse cenário de atraso nos julgamentos administrativos, de modo a reduzir o impacto da Selic no valor final considerado.
Para exemplificar, suponha-se um cenário em que um contribuinte aderiu ao Programa Especial de Regularização Tributária (PERT), e incluiu no parcelamento suposto débito vultoso de IRPJ lançado pelo Fisco por glosa de despesas com ágio. Mas esse débito foi objeto de impugnação administrativa, que demorou três anos para ser julgada pela DRJ. E, depois, o recurso voluntário contra a manutenção da cobrança demorou cinco anos para ser julgado pelo Carf. Então, há praticamente seis anos de cômputo da Selic – descontados os 360 dias para julgamento pela DRJ e 360 dias para julgamento pelo Carf – que podem ser afastados da conta do saldo devedor do PERT, ou viabilizar a restituição do que foi pago indevidamente.
Enfim, no cenário econômico atualmente vivido, com os sucessivos aumentos da Selic, pode representar uma redução considerável de passivo.
Rubens Fonseca de Souza Lopes é tributarista e coordenador do contencioso tributário de WFaria Advogados