As falhas comuns em Políticas de Compliance

A atenção ao Compliance nas empresas tem crescido consideravelmente nos últimos anos. Trata-se de uma matéria relativamente nova em nosso ordenamento jurídico e de prática recente para as empresas nacionais. Mesmo setores onde pouco se falava deste assunto passaram a reconhecer a sua importância. Em função da nossa atuação profissional, temos nos deparado com algumas falhas e lacunas na implementação e execução de políticas de compliance e anticorrupção. Estas questões são comuns em setores dos mais variados.  Discorreremos aqui sobre algumas destas situações e sugestões para preservar os programas de Compliance das empresas engajadas em sua efetiva implementação.

Um dos erros comumente cometidos por empresas multinacionais é a importação do programa de Compliance de suas sedes no exterior sem a devida adaptação às peculiaridades da lei brasileira trabalhista e anticorrupção. A “tropicalização” dos programas é essencial para torná-los aplicáveis à nossa realidade. Apesar da necessidade de que as normas internacionais também sejam compreendidas, o contexto e cultura locais devem ser considerados durante a implementação. Isso significa, por exemplo, que as políticas e os treinamentos devem abordar situações locais e hipóteses correntes em nosso contexto cultural de violações ao programa. Outro aspecto relevante é considerar a legislação trabalhista e a jurisprudência brasileira na definição de Códigos de Ética e Conduta. Algumas condutas previstas em Códigos “importados” ferem frontalmente o entendimento de nossas Cortes Trabalhista e podem causar, por exemplo, acusações de assédio moral.

Outra falha refere-se à elaboração de códigos de ética e políticas específicas, que, por vezes, são demasiado extensas, densas, pouco claras, e com carência de exemplos e casos aplicáveis a rotina dos colaboradores. Ademais, será pouca efetiva a divulgação de códigos de ética e novas políticas se não forem seguidas de treinamentos regulares.

A mesma atenção vale para os protocolos de investigação interna de denúncias meramente “traduzidos” da casa matriz. A forma como são efetuadas investigações e apurações de denúncias nos Estados Unidos, por exemplo, são consideradas agressivas em nosso contexto e já há precedentes de condenações em decisões judiciais por assédio moral nesse tema[1]. O processo de coleta e preservação de informações em investigação de denúncias, principalmente aquelas encontradas nos dispositivos móveis dos colaboradores, deve levar em consideração o limite tênue imposto pelo direito constitucional à privacidade e a intimidade. As entrevistas com colaboradores potencialmente envolvidos devem ser conduzidas de maneira não inquisitiva, de modo a não constranger os entrevistados. Algumas medidas para mitigar falhas neste procedimento: (i) o entrevistado deve ser informado que foi convidado a cooperar com o esclarecimento de determinada situação e a palavra “investigação” deve ser evitada ao máximo;  (ii) o entrevistado deve ser informado que as informações fornecidas serão utilizadas pela empresa de forma a esclarecer o fato (iii) se a entrevista for conduzida por advogado, esse deve deixar claro que não está atuando como advogado do entrevistado, mas da empresa (iv) a depender das circunstâncias, recomenda-se o alerta de que o entrevistado é livre para não participar da entrevista e que pode recusar-se a responder determinadas perguntas; (v) solicitar a autorização expressa do entrevistado para a gravação da entrevista antes do seu início; (vi) deve-se evitar acusação direta aos investigados e as perguntas devem ser formuladas de maneira clara e objetiva, evitando pré-julgamentos; (vii) devem ser feitas de maneira individual, preferencialmente. Ao adotar as medidas elencadas, a empresa certamente mitigará os riscos envolvidos em processos de investigação.

Ainda nesse tema, outra falha comum é a realização de investigações internas sobre casos de grande complexidade ou impacto ambiental, reputacional e financeiro por agente interno sem o apoio de assessor externo. Estas investigações carecem de legitimidade perante a comunidade, o mercado e os reguladores. A Operação Zelotes contém vários exemplos de empresas acusadas de ações de corrupção que fizeram suas próprias investigações internas e se auto declararam livres de irregularidades, apesar das inúmeras provas levantadas e acusações criminais movidas pelo Ministério Público.

Nesses casos, a imparcialidade garantida por uma equipe de investigação externa pode ser fundamental para a própria continuidade dos negócios, especialmente para empresas de capital aberto, instituições financeiras ou empresas que tenham instrumentos financeiros (CDs por exemplo) negociados no mercado internacional.  A depender da gravidade e extensão do caso investigado, a utilização de recursos externos pode proteger a empresa de uma penalidade a ser imposta por agentes reguladores (CADE, TCU, MPF, Department of Justice, SEC, etc.), ou reduzir os valores cobrados a esse título. Uma investigação por ente externo possibilita a manutenção do privilégio de documentos revisados e das comunicações trocadas entre clientes e advogados, melhores resultados em situações sensíveis ou que demandam estratégia jurídica especializada, o acompanhamento por equipe com experiência em situações semelhantes, credibilidade das investigações perante as autoridades e dedicação exclusiva para conclusão do trabalho no menor tempo possível.

Finalmente, uma das falhas mais comuns que encontramos é a incompreensão pelos colaboradores do papel do compliance officer na organização.  Apesar da existência desta posição em boa parte das organizações de médio e grande porte, esses profissionais por vezes não são vistos como componentes essenciais. Essa percepção reflete-se em falta de inclusão do departamento de Compliance em reuniões críticas, revisão de novos projetos, revisão de políticas ou ações comerciais, falta de suporte financeiro ao departamento, não priorização de treinamentos da área, falta de apoio para contínua atualização de políticas, não envolvimento em operações de M&A, etc. Estes obstáculos serão superados somente se a alta direção da empresa adotar as ações de Compliance como prioritários, e incorporarem estas políticas em suas preocupações e ações diárias (“tone from the top”).

A alta administração deve entender que Compliance não é entrave, mas parceiro de negócios. Um parceiro focado em fazer a coisa certa, criar uma cultura positiva para os acionistas, colaboradores, sociedade e ainda garantir a perenidade da empresa.


[1] BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho (15º Região). Recurso Ordinário nº 00010579020115150045. Campina-SP, 16 de dezembro de 2015. Tribunal Regional do Trabalho (15º Região). Recurso Ordinário nº 001192643.2014.5.15.0131. Campinas-SP, 16 de fevereiro de 2016. BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho (3º Região). Recurso Ordinário Adesivo nº 01079-2006-037-03-00-0. Belo Horizonte-MG, 02 de maio de 2007. BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho. Recurso Ordinário nº 02.95.028109.0. Brasil. Tribunal Regional do Trabalho. (10º Região). Recurso Ordinário nº 00390-2004-016-10-00-0. Julgado em 02 de março de 2005. BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho. Recurso Ordinário nº 01174-2006-383-02-00-4. São Paulo-SP, 10 de dezembro de 2007.

Wilson De Faria

Professor de Direito Compliance no curso de LLM em Direito Empresarial do CEU-IICS, membro do Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP). Presidente do INSEAD Alumni Law Club. Sócio da WFaria Advogados


Graduado em Direito (USP) e em Administração de Empresas (FGV-SP), com pós-graduação em Direito Tributário (CEU-IIS) e mestrado (MBA) no INSEAD (Fointainebleau – França).

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Graduado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (“PUC-SP”) e LLM em Direito Tributário pelo INSPER, Rubens é fundador do Grupo de Estudos da Reforma Tributária (“GERT”) e especialista em Contencioso e Consultivo Tributário.

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HÍTALO SILVA

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Mestre em Direito Norte-Americano (LL.M.) com ênfase em International Business
Transactions pela University of Missouri-Kansas City (UMKC) School of Law, Hítalo também é Mestre em Fashion Law pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e especialista em sistemas jurídicos contemporâneos pela Universidad Complutense de Madrid – UCM.


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