A decisão beneficia 8 mil empresas de São Paulo
O Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp) obteve liminar para que as 8 mil empresas associadas possam recolher PIS e Cofins sobre receitas financeiras com alíquotas reduzidas — de 2,33% no total — até o dia 2 de abril. Esta é a primeira decisão em ação coletiva sobre o tema de que se tem notícia.
A redução tinha sido instituída pelo Decreto nº 11.322, assinado pelo então presidente em exercício da República, Hamilton Mourão. O texto foi publicado no dia 30 de dezembro, penúltimo dia do governo Bolsonaro.
O impacto da medida foi calculado em R$ 5,8 bilhões. Mourão baixou a alíquota do PIS de 0,65% para 0,33%. Da Cofins, de 4% para 2%.
No dia 2 deste mês, porém, a norma foi revogada por novo decreto, de nº 11.374. A medida foi assinada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e restabeleceu as alíquotas originais de PIS e Cofins.
Com a alteração, contribuintes começaram a recorrer à Justiça. Alegam que essa elevação das alíquotas das contribuições sociais só poderia entrar em vigor após 90 dias da publicação do decreto — ou seja, cumprir a chamada “noventena” —, conforme jurisprudência consolidada no Supremo Tribunal Federal (STF).
O pedido da Ciesp foi analisado pela juíza Regilena Emy Fukui Bolognesi, da 11ª Vara Cível Federal de São Paulo. Na liminar, destaca que o artigo 195, parágrafo 6º, da Constituição, estabelece que “as contribuições sociais de que trata este artigo só poderão ser exigidas após decorridos noventa dias da data da publicação da lei que as houver instituído ou modificado”.
“Há de se reconhecer, portanto, a incidência do princípio da anterioridade nonagesimal ao caso”, diz a juíza, acrescentando que “somente em 2 de janeiro de 2023, e após a entrada em vigor e plena eficácia da norma que procedeu à redução das alíquotas, foi publicado o Decreto nº 11.374, de 2023”.
A liminar, segundo o diretor jurídico do Ciesp, Helcio Honda, restabeleceu o estado de Direito ao dar o prazo de 90 dias, previsto na Constituição Federal, para a entrada em vigor da nova norma, uma vez que houve majoração das contribuições.
No caso, acrescenta, como o Decreto nº 11.322 entrou em vigor no dia 1º, diminuindo as alíquotas pela metade, e o novo governo editou o Decreto nº 11.374 no dia 1º, mas com publicação no dia 2, para restabelecer as alíquotas, na prática houve uma majoração, que deve respeitar a noventena.
De acordo com o advogado Rubens Souza, do W Faria, essa primeira liminar em ação coletiva, concedida a uma entidade do porte do Ciesp, “com certeza confere mais força à tese, considerando-se a quantidade de contribuintes que já passarão a ser beneficiados”.
Para Fábio Calcini, do Salomão e Matthes Advocacia, a tendência é de haver mais ações coletivas sobre o tema. A depender do porte da empresa, afirma, não compensa financeiramente ajuizar uma ação individual para ter o benefício por apenas 3 meses.
Tramitam hoje no Judiciário 34 processos sobre o tema, segundo balanço da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) divulgado ontem pelo Valor. Além da liminar do Ciesp, existem mais duas decisões: uma favorável e outra desfavorável ao contribuinte.
Nos processos, a PGFN alega que, apesar de existir essa jurisprudência a favor da noventena, não poderia ser aplicada a esse caso, por ser totalmente atípico. Para o órgão, como as mudanças foram rápidas, não teriam chegado a gerar efeitos práticos aos contribuintes.
A decisão desfavorável ao contribuinte é do juiz José Tarcísio Januário, da 1ª Vara Federal de Jundiaí (SP). Ele entendeu que “a revogação da norma que diminui a alíquota das contribuições não é considerada, pela jurisprudência do STF, como majoração, e, assim não se submete à anterioridade, uma vez que se trata de tributo já existente” (processo nº 5000027-16.2023.4.03.6128).
Em Porto Alegre, porém, o juiz Evandro Ubiratan Paiva Silveira, da 13ª Vara Federal, decidiu de forma favorável ao contribuinte (processo nº 5000422-72.2023.4.04.7100). Ele afirma, na decisão, que deve ser observado, no caso, o princípio da anterioridade nonagesimal (90 dias), já confirmado em outras situações semelhantes pelo STF. Cita, no texto, a ação direta de inconstitucionalidade (ADI) 5277 e o Tema 278 da repercussão geral (RE 568503), de 2014.